Teotónio Cavaco do Norte 18/10/1937 - 18/10/2023
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- 29 de out. de 2024
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Texto de Manuela Norte, com Teo Cavaco
Corria o ano de 1945 quando um jovem pastor, de nome António dos Santos Martins, oriundo de Leomil, na Beira Alta, Portugal, assumiu o pastorado da Igreja Baptista de Leiria; mas o seu zelo evangelístico levou-o, entre outras localidades, um pouco mais além, até à Marinha Grande, onde o povo, desejoso de mudança e de liberdade, aceitou avidamente a nova mensagem de amor e de esperança. Explodiu assim naquela região um novo conceito de maravilhosa esperança, que é a verdade libertadora e portadora de alegria e de singeleza de coração. Entretanto, chegava a Portugal, vinda dos Estados Unidos da América, a missionária Violeta Margarida Lopes, com um objetivo bem definido: estabelecer-se na Marinha Grande e, a partir daí, desenvolver trabalho de evangelização de crianças. Foi assim que se começou a criar um grupo muito forte de quatro amiguinhos: Alexandre Júnior, Cavaco do Norte, Albertino Franco e Orlando Caetano.
Ao início, foram atraídos pela música produzida pelo acordeão da Miss Violeta, aprendendo corinhos como “O meu coração era preto”, ou “O livro sem palavras”, enquanto se deleitavam com as figurinhas de flanelógrafo e levavam também as suas famílias. Vivia-se o estigma do pós II Guerra Mundial, com os seus efeitos restritivos – economicamente, a família de Teotónio Cavaco do Norte era como tantas outras, muito pobre, mas este Deus que aceitou era o maravilhoso libertador, que não prometia “bolos no céu”, mas sim amor, e a alegria da salvação superou em muito a dor de perder o pai, quando tinha apenas 8 anos de idade – de facto, foi na igreja e naquela comunidade que encontrou a paz interior e duradoura. E a igreja consolidava-se e crescia, muito, sendo isto considerado um fenómeno, num país tão católico.
No dia 1 de janeiro de 1950 foi inaugurado na Marinha Grande um belo templo, que já era pequeno para aquela comunidade, e nesse mesmo ano, no dia 16 de Julho, o Teotónio, com apenas 12 anos de idade (e com ele os seus três amigos) que, sob profissão de fé, foram batizados - a sua figurinha era tão pequena e frágil que ele flutuou, e por duas vezes o pastor Martins teve de o empurrar, mas desde sempre demonstrou o mesmo entusiasmo por Jesus, o seu Salvador, a todos os níveis, e logo ali mesmo decidiu que queria ser pastor.

Havia, no entanto, um longo caminho a percorrer: trabalhou desde tenra idade em várias oficinas (o que hoje seria considerado trabalho infantil), mas foi então que o pastor Martins lhes providenciou estudos escolares, a fim de que o seu conhecimento e preparação fossem equiparados ao nível liceal – quão grande a visão daquele homem, que colocou estes jovens a desenvolver também estudos teológicos, enquanto saíam para cultuar, em várias igrejas e pontos de pregação na zona centro, cada fim-de-semana. Tudo isto o levou a afirmar, durante toda a sua vida: “o que seria eu se não fosse o evangelho”… O seu entusiasmo por anunciar Cristo crescia, e foi nessa qualidade que chegou a Tondela, cuja igreja acabara de ficar sem pastor - esta chegada foi seiva na vida daquela comunidade, e todo o trabalho desenvolvido começou a cheirar a limpeza, a novos conceitos, a novas estratégias, havendo um novo empenho em proclamar a mensagem das Boas-Novas.
E ali estava eu, a Nelinha, naquele pequeno mundo, com os meus pais e irmã, muito envergonhada - tentava acabar o ciclo liceal e a meta seria aceder ao Magistério Primário; nunca esquecerei o dia em que nos conhecemos, ele vestia uma camisa rosa, e também ele estava com um ar envergonhado… que logo se dissipou, pela facilidade de comunicação que evidenciava.
Viseu foi, no entanto, a cidade em que continuou a estudar, frequentando o colégio de Santo Agostinho, sempre com o apoio do pastor Martins, para ter habilitações para ingressar no Seminário, o que, de facto, conseguiu. No entanto, um novo plano estrutural ao nível da formação de pastores batistas apontou a troca de Leiria por Lisboa como novo local para o Seminário, e os alunos ali se instalaram, durante 3 meses, em 1961, na Avenida Santa Joana a Princesa - mas o Cavaco não estava contente com o novo formato do Seminário e saiu, aceitando o convite da igreja de Mangualde para coadjuvar o seu pastor, Horácio Cipriano e, mais tarde, Manuel Alexandre Júnior – nesta época, trabalhou como ajudante de notário naquela Vila, enquanto ia continuando a esperar que o Seminário em Leiria reabrisse. Acerta altura, chegaram boas notícias trazidas pelo pastor Martins: o Seminário em Leiria iria reabrir, com um elenco de professores “de luxo” – os casais Arthur e Susan Brown, Arthur e Helen Lewis, e ainda Lois Mackiney e Mrs. Drake, acabados de chegar dos Estados Unidos, para, juntamente com outros professores e pastores como Manuel Alexandre Júnior, possibilitar Educação Teológica Superior em Portugal. Foi nesse ano, 1962, que também eu desisti do Magistério e integrei, com outras alunas, o Instituto, que iria funcionar no feminino - quantas experiências, quanta bênção, quanto crescimento! Ali estivemos 2 anos, e, em 1964, no dia 26 de julho, unimos as nossas vidas diante de Deus “até que a morte nos separe” - trabalhamos os primeiros 7 anos, servindo na Igreja Evangélica Baptista de Tondela, e foi durante este tempo que o velho templo foi destruído e um novo surgiu; até aí parecia impossível, mas as classes com crianças aconteciam, havia trabalho evangelístico pelo concelho, os doentes e idosos eram cuidados e, como a assistência social era muito escassa, a igreja, na pessoa sobretudo do enfermeiro irmão Manuel Úria, diligentemente providenciava medicamentos e serviços. E foi neste ambiente de gozo e de alegria no serviço que o meu marido sentiu a chamada para irmos para Angola - nesta altura, ele também dava assistência à Igreja Evangélica Baptista de Viseu, e foi numa das viagens noturnas entre Tondela e Viseu que, quando para lá se dirigia, aceitou que o Senhor tudo resolveria. Chegou a hora da partida da família: nós os dois e os nossos dois filhos pequeninos viajamos para um lugar desconhecido, mas nós sabíamos que Ele já tinha preparado tudo - foi no dia 2 de julho de 1971 que nós saímos, no navio “Infante D. Henrique” - o destino, Nova Lisboa (hoje Huambo), Angola. Enquanto nos despedíamos ao som da marcha “Angola é nossa”, no cais de Alcântara, víamos o aceno de um grupo de pastores e respetivas esposas, que nos acompanharam até aí, levando gomas e bombons para os nossos meninos na viagem.
Para trás ficava a igreja em Tondela, já com o casal pastor Mário Pascoal e Ermelinda, e ficava também a nossa família, destroçada pela saudade - à nossa frente o mar, e, depois, um mundo de experiências maravilhosas que nos fizeram crescer espiritualmente; tantas bênçãos, oh! Deus, para contar!... Depois de 4 abençoados anos de vida com queridos irmãos que nunca esqueceremos, chegou o tempo de vinda para férias à Metrópole; mas, por causa da descolonização, nunca regressaríamos a Angola. Ali deixamos todos os nossos bens materiais, mas, como sempre fomos uma família cheia de vontade para continuar a fazer a obra de Deus onde quer que fosse, num alto monte ou à beira-mar, apenas 9 meses depois do regresso de Angola aqui estávamos nós, na Figueira da Foz, para iniciar um Trabalho batista. “Jesus fará!” foi o tema da primeira mensagem na Figueira da Foz, num culto realizado numa sala minúscula, no dia 21 de março de 1976 - e Jesus tem feito tanta coisa! A nossa família, entretanto, cresceu, e mais dois filhos nasceram nesta cidade - e os meninos cresceram em graça e conhecimento de Deus!... Obrigada, meu Senhor, porque os nossos três filhos mais velhos se têm entregado ao Teu serviço - não há maior alegria e, apesar da grande e ainda tão recente perda, não consigo escrever em poucas palavras todo o processo feito ao longo destes 48 anos de mistério aqui: tantas almas salvas, tanto empenho…
Obrigada, meu Senhor, pelas ricas bênçãos que Tu me deixaste experienciar - celebramos as nossas bodas de ouro no dia em que a nossa filha casou, em 2014; o meu marido também vestia uma camisa rosa, e no dia em que me despedi dele, agora em 18 de outubro de 2023, ele também vestia a camisa rosa; o seu rosto frio tinha um ar de vitória, pois eu sei que ele era feliz com Jesus, a quem sempre amou e serviu realmente. Ele fez o possível e o impossível para que as pessoas tivessem conhecimento de Cristo e Sua salvação - “acabou o bom combate”; “eu, porém, serei como a oliveira em flor junto da casa de Deus, confio na misericórdia de Deus para todo o sempre” (Salmos 52:8). Foi assim que ele sempre viveu, na misericórdia de Deus. O Senhor nos abençoou grandemente, e a família foi crescendo: adotamos mais uma filha (que, com a sua família, faz parte das nossas vidas há 48 anos, desde que chegamos a Figueira) que nos presenteou com um querido neto, o Marcos; mais tarde, outro filho (embora não pareça, pois é enorme), e com ele o nosso segundo neto, o Isaque. Ah, não disse os nomes: o Teo, o Tim, a Marta, o Tito, a Paula e o Ricardo, com os seus filhos, são os elos que unem esta família, a de Teotónio Cavaco do Norte (18.10.1937 - 18.10,2023).
Figueirada Foz, 3 de abril de 2024
