top of page

Confissão e Compaixão - O Amor seja não Fingido

  • Foto do escritor: Sara Luzia Falcoeiras
    Sara Luzia Falcoeiras
  • 25 de out. de 2024
  • 4 min de leitura

árvore com folhas pink rosa no outono numa praça
Fotos de Beca

Em 2021, cultivei um pequeno pimenteiro em casa. A dada altura, foi acometido de parasitas e precisou ser afastado das outras plantas. A primeira vez que me aventurei a tratar dele, tive que ultrapassar o nojo daqueles bichos pegajosos e persistentes. Com cuidado, limpei os rebentos e as folhas o melhor que pude. No dia seguinte, dois rebentos já tinham aberto em flor.


O pecado é um bicho persistente. Como um parasita que suga toda a energia de uma planta e a impede de dar fruto, o pecado destrói, suga a vida que se quer plena e isola. Ao contrário dos parasitas, o pecado é-nos intrínseco. Desde a queda, somos todos feitos da mesma fibra. Referimos muitas vezes a importância da confissão uns aos outros, a bênção de nos expormos à possibilidade de sermos corrigidos (Tiago 5:16). Não é algo que se faça com leveza: acarreta dúvida, receio e vergonha. Mas, nesta troca vulnerável, em que as debilidades não são encobertas, há um caminho de duas vias que se abre entre corações redimidos pela graça.


Enquanto cristãos, temos na confissão sincera o meio de reconhecermos, perante Deus, a sua santidade e a nossa culpa, e de recebermos perdão. Somos chamados, também, a confessar uns aos outros. Não no sentido de penitência nem como meio de absolvição, mas tendo em conta que a igreja é o corpo visível de Cristo, que nos sustenta em oração e admoestação no caminho de nos submetermos a Deus.

árvores de várias cores no outono
Fotos de Beca

Thomas Watson defendia que o arrependimento genuíno inclui: a visão do pecado, tristeza pelo pecado, confissão, vergonha, ódio pelo pecado e afastamento dele. Não confessamos uns aos outros para obter o perdão que só vem do Pai, mas os benefícios de o fazermos ultrapassam todos os medos. Deus dá-nos a graça de que estes gestos sejam não só pessoais, mas comunitários. Por isso, podemos expor-nos às feridas leais do que ama (Provérbios 27:5-6), ser corrigidos (Provérbios 27:17) e caminhar com aqueles que caminham com Cristo. Na confissão, trazemos o pecado para a luz e fugimos do isolamento que ele gera. Permanecemos na videira juntos e encontramos a alegria imerecida de produzir fruto (João 15).


Confessarmo-nos a Deus e uns aos outros é reconhecer que precisamos de perdão todos os dias e que ter a quem prestar contas é um passo consciente que se dá para longe do pecado. É como se, de certa forma, Deus nos chamasse a ser fiéis jardineiros uns dos outros, ao recebermos e estendermos graça.


Enquanto criaturas caídas e imperfeitas que somos, como é que este processo de confessarmos o nosso pecado uns aos outros pode ser cada vez mais um reflexo do amor e da graça de Deus? Quando um irmão se expõe, como é que o recebemos?

ree
Fotos de Beca

Sobretudo se não nos identificamos com a sua luta ou pecado específico? Por vezes ouvimos e não temos ideia do que foi preciso para chegar a este momento, ouvimos com julgamento precipitado e parcial ou falta-nos a empatia, não entendemos um contexto com que não nos identificamos. A nossa atitude para com o irmão esfria e nem damos conta disso. Passamos a relacionar-nos com ele com base no que nos confidenciou em vez de com base na graça. Remetemo-nos a um cinismo que retira o valor do momento.


O que foi simultaneamente doloroso e libertador para quem arriscou a beleza da confissão, torna-se uma experiência manchada. Como é que podemos combater os efeitos desta inevitabilidade? Como é que trilhamos o caminho de diminuir para que Cristo cresça neste aspecto da caminhada com os nossos irmãos? Pensemos em Jesus, o Homem-Deus. Como é que ele confrontava os seus com a realidade do pecado? Como é que recebia a contrição de outros que se aproximavam dele? Com compaixão. Ele não experimentava na alma as dores e consequências do pecado praticado, mas foi tentado e compadecia-se. A mulher que ungiu os pés de Jesus em Lucas 7:37-50. A mulher adúltera de João 8:1-11. Zaqueu, o cobrador de impostos em Lucas 19:1-10. São só alguns exemplos que nos podem ser familiares. Exemplos desta compaixão surpreendente e chocante. Vemos ocasiões em que Jesus até mostra compaixão por pessoas que aparentemente não chegaram ao arrependimento, cheias de si mesmas e mergulhadas em justiça própria e legalismo (como é o caso do jovem rico em Marcos 10:17-22).


Jesus continua a ter prazer em receber os que se aproximam dele, por mais relutância, vergonha ou culpa que tragam. Isso faz parte da sua natureza. Há tempos, líamos cá em casa como J. C. Ryle expôs o assunto da compaixão de Jesus em relação ao nosso pecado. “O Senhor Jesus é dotado de imensa compaixão e de terna misericórdia.


‘Como um pai se compadece de seus filhos, assim o Senhor se compadece dos que o temem’ (Sl 103:13).



Escadaria de cimento no gramado com árvores coloridas de outono
Fotos de Beca

Jesus não trata os crentes em consonância com os seus pecados, nem os recompensa de acordo com as suas iniquidades. Jesus vê as suas fraquezas. Ele está ciente das suas deficiências. Ele conhece todos os defeitos da sua fé, esperança, amor e coragem. E, apesar de tudo, jamais os rejeitará. Ele sustenta-os continuamente. Ele ama-os para sempre. Quando caem, ergue-os. Ele restaura-os dos seus erros. A sua paciência, à semelhança do seu amor, excede todo o entendimento. Quando Jesus percebe um coração sincero, a sua glória cobre muitas falhas. (...) O seu coração ainda é o mesmo que ele tinha quando atravessou o mar da Galileia e acalmou a tempestade. Exaltado nos céus, à mão direita de Deus Pai, Jesus continua a simpatizar connosco, continua a ser o Todo-Poderoso, continua a mostrar-se paciente e misericordioso para com o seu povo. Mostremo-nos também mais caridosos e pacientes em relação aos nossos irmãos na fé. Eles talvez errem em muitas coisas; mas, se Jesus os recebeu e pode lidar com eles, certamente também nós devemos fazer o mesmo.” (Meditações no Evangelho de Marcos, sobre os versículos 35-41 do capítulo 4) Ao ouvirmos acerca das lutas de um irmão, sejamos prontos a chorar com ele e a estender graça, perdão e oração, sabendo que a fibra de que somos feitos é exactamente a mesma. Sendo fiéis jardineiros uns dos outros e sabendo honrar o esforço da confissão, guardando-a conosco, em sigilo. Aprendamos com a compaixão do Mestre. Esta é sempre uma estrada de duas vias. Se, num momento, recebemos a confissão de alguém, no momento seguinte podemos ser nós a ser ouvidos, a precisar de oração e direcção. Sejamos encorajamento uns para os outros, trazendo à memória constantemente o sacrifício perfeito de Cristo, que nos resgatou da culpa. Somos filhos da luz!

Comentários


bottom of page