Pequenos Gestos
- Pedro Leal

- 24 de out. de 2024
- 3 min de leitura
Volto ao relato bíblico da Criação: Deus como Criador, distinto do que criou, mas ativo na Sua obra; o Homem como criatura, contudo elevado a um plano superior em relação às restantes criaturas, usufruindo do privilégio de usar a Natureza para seu proveito, com a grave contrapartida de zelar por ela, como o mordomo que administra o que não é seu e tem de prestar contas por essa administração. Neste relato encontramos verdades que nos imunizam para alguns dos erros produzidos pelo pecado. Desde logo a idolatria e a incredulidade. De facto, o apóstolo Paulo escreve que “as suas coisas invisíveis, desde a criação do mundo, tanto o seu eterno poder, como a sua divindade, se entendem, e claramente se vêem pelas coisas que estão criadas, para que eles fiquem inescusáveis; Porquanto, tendo conhecido a Deus, não o glorificaram como Deus, nem lhe deram graças, antes em seus discursos se desvaneceram, e o seu coração insensato se obscureceu. Dizendo-se sábios, tornaram-se loucos. E mudaram a glória do Deus incorruptível em semelhança da imagem de homem corruptível, e de aves, e de quadrúpedes, e de répteis” (Romanos 1:20-23). Por não reconhecerem Deus como Criador, muitos são levados a oferecer a meras criaturas o louvor e a adoração que devem caber apenas Àquele que tudo fez. Tal atitude, que ofende e afasta de Deus, não aconteceria se houvesse um correto entendimento do Seu lugar e do lugar da Criação. Quando se mistura tudo, ou, no caso do ateísmo, quando se tira Deus da equação, o resultado é confusão e erro. Seja no tempo do apóstolo Paulo, seja no tempo em que vivemos, porque a natureza humana, caída, é a mesma. Podem mudar as épocas, podem mudar os conceitos, mas a essência permanece: se o Universo, a mãenatureza, o karma, a ideologia, o acaso, e por aí fora, usurpam o que apenas ao Senhor deve ser creditado, há ofensa contra Ele. Relembremos as palavras de Paulo. E, então, é preciso voltar à verdade do texto sagrado para restaurar, para tornar ao bom caminho.
Mas o relato bíblico vai além da sã e robusta doutrina, que tanta falta faz. Ele oferece-nos também diretivas práticas para a forma como nos devemos relacionar com o mundo criado por Deus. Ora, a relação dos humanos com a Natureza é, precisamente, um dos atuais destaques da denominada “agenda mediática” que enche o nosso quotidiano. Entre o tantas vezes propalado tremendismo climático, que coloca tudo nas mãos do Homem e ameaça com a catástrofe global, e a indiferença egoísta, que só se preocupa consigo, “aqui e agora”, entre estes excessos existem outros caminhos, mais condizentes com a Palavra de Deus.
Creio que um desses caminhos passa pela valorização dos pequenos gestos. Gestos nascidos da consciência da obra divina e do que ela implica. Perante a complexidade, a diversidade e a beleza da Criação o crente não pode ficar indiferente. Afinal de contas, trata-se de uma manifestação visível do Deus a quem ama e adora. Não se torna natural querer contemplar, querer conhecer melhor? Não estou a sugerir que nos tornemos especialistas em ciências naturais ou que deixemos tudo para não falhar o por-de-sol. Refiro-me apenas aos tais pequenos gestos nascidos da contemplação do poder e da criatividade divinas. Atitudes simples como olharmos para uma árvore e termos a curiosidade de saber que árvore é: um pinheiro, um carvalho, um plátano, uma palmeira? Afinal de contas, Deus criou tantas espécies de árvores diferentes que querer conhecê-las na sua singularidade é uma forma de valorizar e apreciar a obra do Todo-poderoso.
Ou, em vez de olhar sempre na horizontal, em frente e em volta, levantarmos, de vez em quando, os olhos para o céu e constatarmos a mesma diversidade no reino das aves. Façamos este exercício e verificaremos, mesmo em meio urbano, a variedade do que se passa sobre a nossa cabeça. Que espécies são? Eis uma pergunta que tornará frequente e estimulante o movimento dos nossos olhos para o céu. Aos poucos iremos conhecendo espécies diferentes e esse conhecimento alargará a nossa perspetiva da magnífica obra de Deus. Mais uma vez: não estou a propor que nos tornemos especialistas, apelo apenas à disponibilidade para olhar e conhecer. Acredito que pequenos gestos como estes são uma forma de adoração: reconhecemos que Deus é Criador e apreciamos o resultado do Seu labor, que é “muito bom” (Génesis 1:31). São também uma forma ativa de defesa do meio ambiente, algo que, como vimos acima, faz parte das responsabilidades do crente. Quem conhece, quem valoriza, está mais disponível para cuidar. Estes, ou outros, pequenos gestos, tantas vezes anónimos, mas cheios de intenção e significado, são uma alternativa genuinamente cristã. Quem quer adotá-los?





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